Recomeço. Quarto dia.
Mais um dia novo. Chego cedo.
Tomo um pouco de café.
Observo o horário de aulas, 9.º ano,
me disseram que era a pior sala da escola. A sala mais odiada da escola... Lá
vou eu.
Entro. Arrumo minha mesa. Olho pra
eles. Não digo nada.
Como de costume, estão ouvindo música
e xingando uns aos outros. As meninas, para meu espanto, sentadas no colo dos
rapazes, falam palavrões horríveis, riem, gritam. Comportam-se como mulheres que perderam o rumo da vida.
Abro o diário, vejo a data de
nascimento da maioria. Eles têm entre 16 e 17 anos. Sim, são todos repetentes.
Casos graves de indisciplina. Violência. Abandono. Gravidez na adolescência. Um
verdadeiro cenário de devastação social.
Ninguém me respeita. Ninguém se
importa com a minha presença. Eu ando até a lousa, paro, e fico lá até fazerem
silêncio. Eles, aos poucos, vão se calando. Entre risos e gracejos, piadinhas,
gozações e mais palavrões, a sala começa a se acalmar.
Eu continuo calado. Olho fixo para cada um
dos alunos. Não digo nada. Estou atordoado com o estado daquela sala de aula.
Há 16 lâmpadas em todo o ambiente; apenas 3 "funcionam". Se é que se
pode dizer isso...
A escuridão, aqueles rostos, alunos
repetentes, alunos rejeitados.
"O que posso fazer ali?"
"O que é possível fazer ali?"
Não me ensinaram isso na faculdade -
eu penso. Não mesmo.
Então o mais engraçadinho da turma, o
mais velho, o "chefão" do lugar, me pergunta alguma coisa, lá do
fundo. Na verdade, ele me desafia:
- Fala alguma coisa aí professor!
Quem é você?
E eu respondo:
- Qual o sentido da vida?
Ele não entende a pergunta. Todos
esperam para ouvir de novo.
- Qual o sentido da vida? Da sua
vida?
Toda a sala para de repente.
Ele se ajeita na cadeira, retoma a
postura "adequada", pensa. Não sabe o que responder.
- A sua vida não tem nenhum sentido?
Você não tem um motivo pelo qual viver..?
Ele não tem resposta. Não há respostas para certas coisas na vida. Mesmo um estúpido é capaz de saber isso.
Eu olho em volta, olho fixamente no rosto de cada um.
Então outros alunos levantam a mão.
Querem responder em seu lugar. E depois outra aluna pede para falar. E mais
outro. E mais outro...
Passei quase 2 horas conversando com
eles. Matemática? Não... Eu não ensinei matemática hoje. Eles mal sabem
tabuada, estão à margem do conhecimento básico escolar. Na verdade nós
conversamos sobre a vida. E sobre o sentido que ela tem [ou não]. E sobre o que
cada um deles esta fazendo com o seu próprio futuro, jogando no lixo cada d[ia e
cada noite fazendo coisa alguma.
Sim, nós falamos da vida e do sentido
que ela tem [ou não].
Ao sair da sala, quando o sinal
tocou, havia um silêncio terrível atrás de mim. Eu podia ouvir o ruído de almas despedaçadas, esmigalhadas. Eu podia ouvir o som ensurdecedor do vazio.
Talvez ninguém nunca tivesse lhes
perguntado o que eles achavam da vida. Talvez todos estejam se lixando para
eles [e de fato estão]. Mas a verdade é que hoje foi um dos melhores dias desse
recomeço, e no meu peito voltou a bater uma esperança de antes, uma certeza que
ainda há pelo que lutar.
Mergulhei num cenário de guerra, saí de lá enxergando ao longe a
bandeira branca da paz tremulando no horizonte.
E para você: qual o sentido da vida?
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