quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Teatro nem é tão importante assim...

         Estive duas vezes no teatro na última semana, foram peças interessantes com famosos nome da dramaturgia nacional e preços realmente acessíveis (paguei menos que meia entrada pelo par de ingresso). Contudo, é aterrador notar a completa ausência de pessoas negras nessas plateias. Minto, havia sim aqui e ali, mas eram pessoas trabalhando ora na limpeza, ora na bilheteria e segurança do lugar. 
         Poucas coisas evidenciam tanto a exclusão racial quanto situações assim. Em tese, não haveria razão para não haver negros no espetáculo, as entradas eram extremamente baratas, o acesso é livre e irrestrito, qualquer um poderia entrar. Todavia, há ainda uma barreira social e/ou cultural que os impede de ascender também à uma rotina erudita. Não há nesse público alvo o interesse e/ou conhecimento acerca da sua importância. Pior: tudo o que se faz é alimentar o estereótipo de que refino e sofisticação pertencem apenas a um determinado perfil da sociedade (especificamente onde os negros não estão).
        Como professor da rede pública, pobre, assalariado, mas ainda assim branco, reconheço que passo batido nesses lugares sem ser notado. Não sei como é estar na pele de uma pessoa negra e de repente se tornar o alvo de todos os olhares. Mesmo assim isso tudo me deprime. Do lado de fora de ambos os teatros (um num shopping center sofisticado e outro no Centro Cultural Banco Brasil-SP) pessoas de todas as cores e etnias circulavam tranquilamente. Dentro da casa de espetáculo, porém, uma predominância caucasiana incomodou este que vos fala.
          Nos dias seguintes expus aos alunos minha experiência e frustração, muitos meninos e meninas negras me ouviram, outros tantos pardos, indígenas e brancos também. Nenhum deles jamais frequentou um espetáculo teatral (eles têm entre 11 e 15 anos) nem seus pais, e nem os pais de seus pais. A maioria não terá qualquer chance se nada for feito, se tudo continuar como esta e a mesmice sobreviver. Ouviram-me atenciosos, educados e compreensivos (tenho a sorte de ter alunos muito inteligentes e dedicados) mas é certo que a maioria não entendeu nada da minha angústia. Isso é coisa de velho que tenta conscientizar o jovem pelo tempo perdido. Às vezes tudo isso me parece em vão, isso sim.
          O caminho a ser percorrido é longo, demasiado cansativo e delicado. Requer uma capacidade inacreditável de boa vontade política, de demagogia zero e de consciência plena. De conhecimento e reconhecimento étnico, social, educacional, de amor próprio. Uma dívida histórica que levaremos ainda alguns séculos para pagar.


          Caos, qual a sua cor?